quarta-feira, 10 de agosto de 2011

A lógica e a intuição em medicina. Conhecendo e observando [1]

Há muito que venho enfrentando a questão da conciliação na prática clínica do conhecimento baseado na prova, expressa na linguagem corrente e altamente sofisticada da ciência moderna, e a observação clínica baseada sobretudo na intuição. A não intercomunicabilidade entre ambas resulta do facto de o discernimento intuitivo dificilmente ser comunicável verbalmente.

É reconhecido que o ser humano é capaz de dois tipos de conhecimento, ou dois modos de consciencialização – racional e intuitivo. Onde há divergências é na atribuição de valor e na dicotomia que alguns fazem, conectando o racional com as ciências ditas naturais, e o intuitivo com as ciências ditas humanas. No que respeita à atribuição de valor, o que sucedeu, sobretudo nos países ocidentais, foi atribuir-se maior valor ao conhecimento racional em detrimento do conhecimento intuitivo. Mas no ocidente os práticos clínicos sempre perceberam a importância da complementaridade entre o racional e o intuitivo.

O conhecimento racional pertence ao domínio do intelecto que discrimina, divide, compara, mede e categoriza. Em bom rigor, como o conhecimento científico parte deste tipo de experiência, em que se estabelecem relações e distinções num mapa, acaba por ser um conhecimento relativo. A abstracção é a característica principal deste tipo de conhecimento, onde uma cartografia intelectual reduz a realidade a um mapa. Portanto, o conhecimento racional é um sistema de conceitos abstractos, funcionando com símbolos, caracterizado por uma estrutura linear e sequencial. Mas o mundo é multidimensional não linear. Há uma infinidade de coisas a acontecer ao mesmo tempo no mundo, e por outro lado há uma consciência fluida e difusa como se fosse uma nuvem a fluir e a devir em muitos tempos.

Pela razão construímos mapas de palavras para cartografar a realidade. Mas não podemos confundir os mapas de palavras da realidade com a própria realidade. E os mapas também não são os qualia (“ideias”), mas apenas os seus tradutores. Ao passo que pela intuição não construímos qualquer tipo de mapa. Ligamos as “ideias” com a própria realidade. É através da intuição que temos uma experiência directa com a realidade. O “olho clínico” do senso comum não é o vulgar olho exterior sensorial, mas também não é o olho interior da razão cartesiana. A intuição transcende estes dois olhos. Por isso, o conhecimento intuitivo não é um conhecimento como o conhecimento racional, porque é directo, não discrimina, não divide, não classifica. É a directa experiência do indiferenciado, do individido, do indeterminado. É o conhecimento da lógica da nuvem no Hamlet, que é um porco, mas pode ser um camelo. É a lógica difusa (fuzzy).

A lógica difusa ou nebulosa (fuzzy) é uma extensão da lógica booleana que admite valores lógicos intermediários entre o falso e o verdadeiro. Por exemplo, o talvez é um valor médio, que é um valor qualquer entre zero e um. As implementações da lógica difusa permitem que estados indeterminados possam ser tratados por dispositivos de controlo. Desse modo, é possível avaliar conceitos não-quantificáveis. Por exempo, o sentimento de felicidade pode ser radiante, feliz, apático, triste, e por aí fora. Estes caminhos da lógica parecem-me interessantes para falar da intuição, muito embora tenha a consciência de que muitos pesquisadores de versões booleanas de lógica não aceitam a lógica difusa como uma verdadeira lógica, no sentido em que aceitam, por exemplo, a lógica modal. Isso pode ser associado a diferentes factos, entre eles o facto de muitos modelos permitirem soluções aproximadas que não correspondem a uma "verdade" lógica.

By: F.Dias

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