quarta-feira, 10 de agosto de 2011

O médico e a palavra

A relação médico/doente é uma relação de poder entre quem sabe e quem é suposto não saber. Esta é a perspectiva moderna da medicina, ou científica. Na perspectiva antiga, a perspectiva mágico/religiosa, em que o médico é ainda um xamã, ou curandeiro, ambos se aliam para lutar contra as forças do mal e ambos correm riscos.

Na relação médico/doente estabelece-se um confronto entre duas significações diferentes de doença. A partir de sintomas percebidos, o doente constrói uma narrativa e o médico, através de teorias, traduz e reconfigura-as.

O discurso do médico é belo quando o seu conteúdo e a sua forma estão correctamente ordenados com a peculiaridade da alma do doente que se lhe entrega com resiliência. Mergulhar no oceano dos étimos, é o que os médicos podem fazer para compreenderem melhor os doentes, e melhor saberem usar as palavras como instrumentos da arte de curar.

O homem sábio, sempre corpo mas nunca apenas corpo, só pede aos céus a saúde da alma com a saúde do corpo. A alma, como sistema ordenado de convicções e virtudes morais e intelectuais. A prudência, o bom senso e a moderação, são palavras derivadas do conceito platónico – sophrosyné –, que os franceses traduziram por “sagesse” e os ingleses por “sanity”. So//phro//syné = Saos//phron//syne = São, salvo, boa saúde // coração // qualidade. Mens sana in corpore sano (Juvenal, século II d.C. – Sátiras, X, 356).

Para Platão, a saúde é o equilíbrio entre as potências de Alcméon de Crotona (médico pitagórico, século VI e V a.C, autor do mais antigo livro grego de medicina conhecido, com princípios de imortalidade da alma e dos opostos) e a boa mistura dos humores de Hipócrates (Cós 460 a.C. – Tessália 370 a.C.)

A corrupção da alma impede a boa mistura dos humores (imuno-endócrinos) com a pharmakon (medicamentos) e, por conseguinte, a cura. Sócrates no Cármides, ensina a precedência da alma sobre o remédio. A prudência temporal da palavra em relação à administração do pharmakon.

A palavra, outrora usada para dominar as potências mágicas, instrumentalizou-se ao serviço da técnica, impondo-se ao quadro mental de referência do doente. Para o médico/técnico a culpa é do mau doente, aquele doente que resiste à técnica.
Créditos: F. Dias

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