quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Quem é você?

Se eu disser que você é uma pessoa, você dirá que não está mal. Mas se eu disser que você é um corpo e nada mais, talvez já não fique muito satisfeito. Você poderá contrapor: e a mente? Corpo e mente não são a mesma coisa, e uma pessoa, pelo menos, é corpo e mente. Se gostar mais da denominação latina e não anglo-americana dirá que é corpo e espírito. E se for um católico convicto dirá que é corpo, alma e espírito. E se fosse um materialista reducionista radical diria que é o cérebro.

Se eu lhe perguntar: Como é que se sente hoje? Seria ridículo se me respondesse que hoje o cérebro não está a funcionar lá muito bem. Mas algumas pessoas já são capazes de dizer: "Hoje não estou lá grande coisa do meu fígado". Pressupor que o seu cérebro é relevante para a preservação da sua identidade, poderá ficar persuadido que você significa o conjunto dos seus neurónios.

Você pode apresentar-me a seguinte analogia. O cérebro, na sua componente física apenas, é como um CD virgem. Pode dar-me para a mão dois CDs. Num gravou a Nona Sinfonia, e no outro não fez nada. Eu que não sei o que você fez, para mim os CDs são exactamente iguais. E no entanto se os colocar no leitor, um proporciona-me a audição da sinfonia e o outro não. Assim, para identificação da Nona Sinfonia o que interessa é a estrutura sonora, a estrutura formal, e não a estrutura material que a suporta. Embora sem o suporte material não a pudesse ouvir, a não ser que juntasse mais de cem músicos com os seus instrumentos, e mais um maestro.

Se a analogia entre pessoas e CDs de música for boa, então o que faz de si você não é o corpo, muito menos o cérebro, mas a estrutura e a forma como um certo conjunto de informações estão retidas em todo o corpo e não apenas no cérebro. Aquela cicatriz que tem da operação ao apêndice, a imunidade com que ficou depois de ter tido o sarampo, ou a falta daquele dedo provocada por um acidente, é também informação, para além da outra informação que está retida no cérebro.

Assim, uma pessoa pode ser um determinado padrão de informação de um corpo físico. O exemplo do CD sugere que o que mais importa para a preservação da sua identidade não são os seus átomos, ou os seus neurónios, mas antes os padrões de informação codificados neles. Ao fim de contas acabamos por cair naquela analogia muito conhecida da dicotomia entre o hardware e o software como metáfora da relação corpo-mente. Então, para simplificar, você pode ser persuadido a pensar que é a sua mente. Mas na verdade você é um ‘corpomente’. Assim como um corpo não é um bloco físico monolítico, a mente também não é um bloco monolítico de informação. A mente é formada por uma série de estados diferentes que variam ao longo do tempo. A mente que tinha aos cinco anos, é diferente da mente que tem agora. Se você se refere à sua mente actual, então você não é você completamente. Você tem uma idade. E os biólogos dizem que você, agora que tem quarenta e três anos, já muito pouco tem da substância que o seu corpo tinha aos cinco anos. Praticamente já foi todo renovado. E então você pode ser levado a pensar que está novinho em folha. Mas vê-se ao espelho, vê aquelas rugas e aqueles papos que começam a insinuar-se à volta dos olhos, e fica céptico em relação a tudo isto.

Não é claro o que significa você. Pode significar as partes físicas e as partes mentais. Cada dia que passa, nem o corpo, nem a mente, se mantém na mesma. Não se incomode, não sabemos quem somos. Bebamos um copo à saúde uns dos outros. E pronto.

By:F.Dias

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